domingo, 16 de setembro de 2012

O homem que não foi o imperador do futebol japonês

Zanatta recebeu o convite para jogar no Japão, não aceitou e transmitiu a oportunidade ao amigo de infância, Rui Ramos, o brasileiro adorado pelo povo da Terra do Sol nascente
                      Zanatta
Histórias do Futebol. No final da década de setenta dois jogadores do bairro do Ipiranga, em São Paulo, faziam parte das categorias de base do SAAD, hoje conhecido por São Caetano, porém, mal sabiam o que o destino reservava para ambos.
Gilberto Anastácio de Farias, o meio campista Zanatta, apelido que recebeu dos jornalistas Eli Coimbra e Roberto Petri por parecer com o ex-meia do Vasco e do Flamengo, começou a carreira no dente de leite do General Motors FC, em 1972. E já nos juniores do São Caetano foi promovido para o time profissional, tendo assinado um contrato de gaveta, algo normal naquela época. E seu amigo, Rui Ramos, um zagueiro que mais tarde se tornou meia, tinha estourado a idade e não subiu para o profissional e acabou dispensado.
Naquele período, um brasileiro de descendência japonesa, Jorge Yanashiro, foi para o Japão trabalhar em um jornal e também jogar no time desta empresa. Após dois anos voltou ao Brasil com a missão de levar mais dois brasileiros. O irmão de Rui Ramos, Carlos Nicotra, conhecido pelo apelido de ‘‘Ganso’’, foi convidado e o outro escolhido foi o garoto Zanatta. A reunião onde se definiu pela escolha dos dois foi num bar na Vila Anae, no Ipiranga. Dois contratos na mesa. Zanatta e Ramos não estavam presentes.
Primeiro Zanatta ao ser comunicado aceitou, mas depois voltou atrás.
‘‘A história de que não fui jogar no Japão por impedimento de mãe ou namorada nunca existiu, eu já tinha me tornado um profissional no SAAD, então transferi o meu convite ao Ramos e ele aceitou, só isso, essa é a mais pura verdade. Para mim não era interessante porque no Japão o futebol praticamente inexistia em 1975. Eles foram trabalhar e jogar pelo Yomiuri, o jornal de maior circulação do Japão na época, para ganhar algo em torno de 1.500 dólares por mês e disputar um campeonato aos moldes do campeonato da terceira divisão amadora de Atibaia. Eu já ganhava no SAAD algo em torno de três salários mínimos, significante na época e me dava status de profissional. E foram para o Japão. Passaram muita dificuldade, o Ramos quebrou a perna, a gente se falava por carta e ele contava os momentos difíceis que atravessou’’, explica Zanatta.
    Rui Ramos
Ruy Gonçalves Ramos Sobrinho, um brasileiro do Rio de Janeiro que se naturalizou japonês em 1989. Foi um dos primeiros jogadores estrangeiros no futebol profissional japonês, pelo Yomiuri, mais tarde se tornou o Verdy Kawasaki e hoje é o Tokyo Verdi. Foi membro importante da equipe nacional japonesa de 1990 a 1995 e na mal sucedida campanha nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 94. ‘‘O jogo de sua vida foi diante da Arábia Saudita nas eliminatórias asiáticas para a Copa dos Estados Unidos, o Japão ficou por um gol de se classificar’’, disse Zanatta.
Como jogador foi artilheiro da Japão Soccer League em 1979 e 1983 e melhor jogador do Ano em 1990 e 1991. Ramos se aposentou em 1998, com 41 anos de idade.
Também foi consultor técnico e conselheiro, e tornou-se treinador do Japão no futebol de praia. Depois foi nomeado técnico do Tokyo Verdy. Mais tarde se tornou diretor executivo do clube.
‘‘Tinha uma técnica refinada, conheci ele como zagueiro aos moldes do Dário Pereira, mas era eclético e passou para a meia esquerda. Tinha bom domínio de bola, os fundamentos e a qualidade do jogador brasileiro. Essa técnica foi valorizada no Japão. Era um grande amigo, de muito caráter’’, cita Zanatta.
‘‘O Rui jogava muito, era zagueiro e em qualquer lugar que o colocasse jogava, depois que passou a jogar no meio lá no Japão. O Zanatta era uma volante maestro, jogava demais. O que prejudicou é que ele foi para o São Caetano e o colocaram na lateral direita para escalar o Toninho Vieira no meio’’, recorda-se Suzete de Oliveira, o Baiano Barbeiro, ex-técnico do Santo Antônio, time amador do bairro do Maracanã, em Atibaia, no interior de São Paulo, onde os jogadores também atuaram.
No SAAD, Zanatta conquistou muitos títulos regionais e lá ficou até 1981, quando se transferiu para o Santo André. Em 81, devido as boas apresentações em seu clube, Zanatta defendeu a Seleção Paulista que representou o Brasil no Torneio do Rei da Malásia. “Eu era o capitão e tinha como companheiros o Wilson Gottardo, o Tuíco, ex-Santos, e o Barbosa, ex-Palmeiras. Passamos na Ásia jogando contra Japão, índia, Indonésia, Iraque, Coréia, Malásia, Austrália, Nova Zelândia, entre outros”, se lembra.
Zanatta também jogou na Francana, Santo André e Remo, atualmente mora em Atibaia. Em 2005, esteve no Japão como treinador de futebol para crianças de 10 a 12 anos, no Requios FC, time amador de Okinawa.
Em 1982 foi para a Francana, de Franca no interior de São Paulo. E participou da vitória do time interiorano contra o Corinthians, válido pelo segundo turno do Paulistão daquele ano, mais tarde o Timão foi o campeão após bater o São Paulo por 3 a 1, no Morumbi. A partida aconteceu no estádio Lanchão, em Franca e o árbitro era Romualdo Arppi Filho.
Zanatta ainda defendeu o Remo (1983), Bragantino (1983), Palmeiras de São João da Boa Vista (SP - 1984), voltou ao Santo André em 1985, Capivariano de Capivari (SP - 1985/86), Guaçuano de Mogi-Guaçu (SP- 1986), União FC de Mogi das Cruzes (1987), EC Dom Bosco de Cuiabá (MT - 1988) e o Grêmio Atibaiense, de Atibaia (SP - 1989), onde encerrou a carreira após contusão séria no ligamento cruzado anterior do joelho, teve que colocar dois “pinos” no local.
‘‘Minha carreira valeu, a gente vai mudando os valores da vida. Acredito muito em Deus, o que faltou foi a oportunidade na hora certa, mas eu era muito feliz jogando e não importava se eu estava no Bragantino ou no Flamengo. O importante era estar disputando. Me arrependo de não dar continuidade, de me preparar para ser treinador’’, desabafa Zanatta.
A cidade de Atibaia, onde Zanatta mora atualmente, surgiu na vida dos dois boleiros devido a eles, antes da profissionalização, jogarem no Black Power, time amador do Ipiranga, na capital e o compadre de Zantta, o já falecido ‘‘Borção’’, via os jogos por trabalhar em São Paulo e os trouxe para o Santo Antônio.
     Black Power/SP Zanatta (Segundo em pé da esquerda pra direita). Rui Ramos, o segundo agachado E/D.
O técnico Baiano explicou por que eles pararam de jogar em seu time:
‘‘o Zanatta eu não quis mais em oitenta, por que ele era profissional no SAAD e vinha para cá e tinha gente que entregava ele no São Caetano, falava que o Zanatta tava jogando muito em Atibaia. Agora o Rui tinha ido para o Japão’’.
    Ex-técnico Baiano Barbeiro
Baiano se lembra de um fato interessante quando Rui Ramos veio passear no Brasil em 1980: ‘‘nós fizemos a final do Campeonato Municipal de Atibaia contra o Grêmio Atibaiense, ele veio passear e queria jogar. Não deixei com medo de punição. Perdemos de dois a zero, eu devia ter escalado o Rui e pelo menos garantir a foto com ele’’.
Quanto à decisão de Rui Ramos ter ido para o Japão, Baiano comentou: ‘‘foi a melhor coisa que ele fez, deu tudo certo, ele era bom e chegou à Seleção Japonesa com mérito. Acho que se o Zanatta fosse pro Japão ficaria famoso igual ao Rui, mas ele era profissional e indo pro Japão teria que jogar no amador. Na época ele tomou a decisão certa. O Japão cresceu depois’’, finaliza o ex-técnico.
Zanatta fala se arrependeu de não ter ido para o Japão: ‘‘se eu soubesse o que iria acontecer no Japão eu iria, mas o futebol era aqui no Brasil, naquela época no Japão não tinha nada, não era pra mim. Não tem como se arrepender’’.
E se tivesse aceito o convite o ex-jogador comenta se teria conquistado o mesmo sucesso de Ramos: ‘‘seria semelhante, tudo o que ele fez que cativou o japonês, como o futebol alegria, eu já fazia aqui. O samba, o drible, a jogada plástica. Profissionalmente seria similar. Mas o diferente é o carisma dele que é bem maior e hoje ele é o que é no Japão’’, refere-se sobre a celebridade que Rui Ramos se tornou na Terra do Sol Nascente, dono de restaurante e trabalhando em emissora de televisão.
Zanatta nasceu em 27 de janeiro de 1958, na capital, é casado, tem quatro filhos, três meninas e um menino e ainda bate sua bolinha nos times de veteranos da região onde mora.




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